Canção
No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas…
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto.
Quando as ondas te carregaram
meus olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.
MEIRELES, C. In: SECCHIN, A. C. (Org.). Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
Na composição do poema, o tom elegíaco e solene manifesta uma concepção de lirismo fundada na
A) contradição entre a vontade da espera pelo ser amado e o desejo de fuga.
B) expressão do desencanto diante da impossibilidade da realização amorosa.
C) associação de imagens díspares indicativas de esperança no amor futuro.
D) recusa à aceitação da impermanência do sentimento pela pessoa amada.
E) consciência da inutilidade do amor em relação à inevitabilidade da morte
Solução
O poema “Canção”, de Cecília Meireles, apresenta um tom elegíaco e solene, marcado pela tristeza e resignação diante da perda do ser amado. O eu lírico descreve uma espera infinita por alguém que nunca chega, pois, conforme as metáforas utilizadas, a pessoa amada afundou junto a uma das naves. Esse cenário reflete o desencanto e a impossibilidade de concretização do amor, mesmo após séculos de espera e inúmeras mortes metafóricas.
Alternativa B