— Não digo que seja uma mulher perdida, mas recebeu uma educação muito livre, saracoteia sozinha por toda a cidade e não tem podido, por conseguinte, escapar à implacável maledicência dos fluminenses. Demais, está habituada ao luxo, ao luxo da rua, que é o mais caro; em casa arranjam-se ela e a tia sabe Deus como. Não é mulher com quem a gente se case. Depois, lembra-te que apenas começas e não tens ainda onde cair morto. Enfim, és um homem: faze o que bem te parecer.
Essas palavras, proferidas com uma franqueza por tantos motivos autorizada, calaram no ânimo do bacharel. Intimamente ele estimava que o velho amigo de seu pai o dissuadisse de requestar a moça, não pelas consequências morais do casamento, mas pela obrigação, que este lhe impunha, de satisfazer uma dívida de vinte contos de réis, quando, apesar de todos os seus esforços, não conseguira até então pôr de parte nem o terço daquela quantia.
AZEVEDO, A. A dívida. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 20 ago. 2017.
O texto, publicado no fim do século XIX, traz à tona representações sociais da sociedade brasileira da época. Em consonância com a estética realista, traços da visão crítica do narrador manifestam-se na
A) caracterização pejorativa do comportamento da mulher solteira.
B) concepção irônica acerca dos valores morais inerentes à vida conjugal.
C) contraposição entre a idealização do amor e as imposições do trabalho.
D) expressão caricatural do casamento pelo viés do sentimentalismo burguês.
E) sobreposição da preocupação financeira em relação ao sentimento amoroso.
Solução
O texto de Aluísio Azevedo, publicado no fim do século XIX, reflete aspectos da sociedade brasileira da época, caracterizando o casamento não como um resultado de afeto, mas como uma questão financeira e social. Em consonância com a estética realista, a crítica do narrador se manifesta na forma como os personagens avaliam o casamento, dando mais importância à estabilidade financeira e às obrigações do que aos sentimentos. O bacharel é persuadido a não casar, não por questões morais ou de afeto, mas pela incapacidade de arcar com uma dívida significativa.
Alternativa E