Duas castas de considerações fez de si para consigo o cauto Conselheiro. Primeiramente foi saltar-lhe ao nariz a evidência de que ministro não visita empregado público, ainda que in extremis, mesmo a uma braça, ou duas, acima do chapéu do amanuense mais bisonho. Também não visita escritor enfermo por ser escritor, e por estar enfermo. Seriam trabalhos, ambos, a que não se daria um ministro, nem sempre ocupado das cousas, altas ou baixas, do Estado.
O tempo ministerial não se vai perdulariamente, não se faz em farinhas. Os titulares esquivam-se até a suspirar, que os suspiros implicam o desperdício de minutos se o suspiro é de minutos, além de permitirem ilações perigosas sobre a estabilidade do ministro, quando não do próprio gabinete.
A segunda ponderação remeteu-o à certeza de que terminantemente chegavam ao cabo seus dias; e de que as esperanças eram aéreas, atado agora à cama até que o encerrassem na urna, como um voto eleitoral frio.
MARANHÃO, H. Memorial do fim: a morte de Machado de Assis. São Paulo: Marco Zero, 1991.
O texto relata o momento em que, no leito de morte, Machado de Assis recebe a visita do Barão do Rio Branco, ministro de Estado. Criando a cena, o narrador obtém expressividade ao
A) representar com fidelidade os fatos históricos.
B) caracterizar a situação com profundidade dramática.
C) explorar a sensibilidade dos personagens envolvidos.
D) assumir a perspectiva irônica e o estilo narrativo do personagem.
E) recorrer a metáforas sutis e comparações de sentido filosófico.
Solução
O texto faz uso de uma abordagem irônica ao descrever a situação, refletindo a própria ironia que é característica da obra e do estilo de Machado de Assis. O narrador expõe o pensamento do “cauto Conselheiro” de maneira irônica, destacando as preocupações banais e protocolares em oposição à gravidade da situação (a iminência da morte de Machado de Assis).
Alternativa D