Sambinha
Vêm duas costureirinhas pela rua das Palmeiras.
Afobadas braços dados depressinha
Bonitas, Senhor! que até dão vontade pros homens da rua.
As costureirinhas vão explorando perigos…
Vestido é de seda.
Roupa-branca é de morim.
Falando conversas fiadas
As duas costureirinhas passam por mim.
— Você vai?
— Não vou não!
Parece que a rua parou pra escutá-las.
Nem trilhos sapecas
Jogam mais bondes um pro outro.
E o Sol da tardinha de abril
Espia entre as pálpebras sapiroquentas de duas nuvens.
As nuvens são vermelhas.
A tardinha cor-de-rosa.
Fiquei querendo bem aquelas duas costureirinhas…
Fizeram-me peito batendo
Tão bonitas, tão modernas, tão brasileiras!
Isto é…
Uma era ítalo-brasileira.
Outra era áfrico-brasileira.
Uma era branca.
Outra era preta.
ANDRADE, M. Os melhores poemas. São Paulo: Global, 1988.
Os poetas do Modernismo, sobretudo em sua primeira fase, procuraram incorporar a oralidade ao fazer poético, como parte de seu projeto de configuração de uma identidade linguística e nacional. No poema de Mário de Andrade esse projeto revela-se, pois
A) o poema capta uma cena do cotidiano — o caminhar de duas costureirinhas pela rua das Palmeiras — mas o andamento dos versos é truncado, o que faz com que o evento perca a naturalidade.
B) a sensibilidade do eu poético parece captar o movimento dançante das costureirinhas — depressinha — que, em última instância, representam um Brasil de “todas as cores”.
C) o excesso de liberdade usado pelo poeta ao desrespeitar regras gramaticais, como as de pontuação, prejudica a compreensão do poema.
D) a sensibilidade do artista não escapa do viés machista que marcava a sociedade do início do século XX, machismo expresso em “que até dão vontade pros homens da rua”.
E) o eu poético usa de ironia ao dizer da emoção de ver moças “tão modernas, tão brasileiras”, pois faz questão de afirmar as origens africana e italiana das mesmas.
Solução
No poema de Mário de Andrade, o projeto modernista de incorporar a oralidade e expressar uma identidade nacional é evidente. A cena cotidiana do caminhar das costureirinhas reflete a vida urbana do Brasil da época, e a linguagem usada sugere a captura de um movimento leve e rápido, como o “depressinha”, que remete a um sambinha. As duas moças, uma branca e outra preta, simbolizam a diversidade do Brasil, um país de múltiplas origens e culturas. O eu poético expressa admiração e encanto por essas figuras que representam, em última instância, um Brasil colorido e plural, captando a mistura cultural e racial que caracteriza a nação.
Alternativa B