Foi o caso que um homenzinho, recém-aparecido na cidade, veio à casa do Meu Amigo, por questão de vida e morte, pedir providências. Meu Amigo sendo de vasto saber e pensar, poeta, professor, ex-sargento de cavalaria e delegado de polícia. Por tudo, talvez, costumava afirmar: — “A vida de um ser humano, entre outros seres humanos, é impossível. O que vemos é apenas milagre; salvo melhor raciocínio.” Meu Amigo sendo fatalista.
Na data e hora, estava-se em seu fundo de quintal, exercitando ao alvo, com carabinas e revólveres, revezadamente. Meu Amigo, a bom seguro que, no mundo, ninguém, jamais, atirou quanto ele tão bem — no agudo da pontaria e rapidez em sacar arma; gastava nisso, por dia, caixas de balas. Estava justamente especulando: — “Só quem entendia de tudo eram os gregos. A vida tem poucas possibilidades”. Fatalista como uma louça, o Meu Amigo. Sucedeu nesse comenos que o vieram chamar, que o homenzinho o procurava.
ROSA, J. G. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1967.
Os procedimentos de construção conferem originalidade ao estilo do autor e produzem, no fragmento, efeito de sentido apoiado na
A) reflexão filosófica em torno da brevidade da vida.
B) tensão progressiva ante a chegada do estranho.
C) nota irônica do perfil intelectual do personagem.
D) curiosidade natural despertada pelo anonimato.
E) erudição sutil da alusão ao pensamento grego.
Solução
O texto faz uso de uma abordagem irônica ao descrever a situação, refletindo a própria ironia que é característica da obra e do estilo de Machado de Assis. O narrador expõe o pensamento do “cauto Conselheiro” de maneira irônica, destacando as preocupações banais e protocolares em oposição à gravidade da situação (a iminência da morte de Machado de Assis).
Alternativa C