O trabalho não era penoso: colar rótulos, meter vidros em caixas, etiquetá-las, selá-las, envolvê-Ias em papel celofane, branco, verde, azul, conforme o produto, separá-las em dúzias… Era fastidioso. Para passar mais rapidamente às oito horas havia o remédio: conversar. Era proibido, mas quem ia atrás de proibições? O patrão vinha? Vinha o encarregado do serviço? Calavam o bico, aplicavam-se ao trabalho. Mal viravam as costas, voltavam e taramelar. As mãos não paravam, as línguas não paravam. Nessas conversas intermináveis, do linguagem solta e assuntos crus, Loniza se completou. Isabela, Afonsina, Idália, Jurete, Deolinda — foram mestras. O mundo acabou de se desvendar. Leniza perdeu o tom ingênuo que ainda podia ter. Ganhou um jogar de corpo que convida, um quebrar de olhos que promete tudo, à toa, gratuitamente. Modificou-se o timbre de sua voz. Ficou mais quente. A própria inteligência se transformou. Tornou-se mais aguda, mais trepidante.
REBELO,M. A estrela sobe. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
O romance, de 1939, traz à cena tipos e situações que espelham o Rio de Janeiro daquela década. No fragmento, o narrador delineia esse contexto centrado no
A) julgamento da mulher fora do espaço doméstico.
B) relato sobre as condições de trabalho do Estado Novo.
C) destaque a grupos populares na condição de protagonistas.
D) processo de inclusão do palavrão nos hábitos de linguagem.
E) vínculo entre as transformações urbanas e os papéis femininos.
Solução
O texto destaca a relação entre as mudanças urbanas e os papéis femininos, mostrando a inserção das mulheres no mercado de trabalho e suas mudanças comportamentais ao conviverem com outras trabalhadoras. O fragmento ilustra essa transição ao apresentar mulheres em um ambiente fabril, refletindo a transformação de seus papéis, antes restritos ao ambiente doméstico, para uma maior participação no cenário urbano, especialmente nas fábricas, como força de trabalho predominante na década de 1930 no Rio de Janeiro.
Alternativa E