Os subúrbios do Rio de Janeiro foram a primeira coisa a aparecer no mundo, antes mesmo dos vulcões e dos cachalotes, antes de Portugal invadir, antes do Getúlio Vargas mandar construir casas populares. O bairro do Queím, onde nasci e cresci, é um deles. Aconchegado entre o Engenho Novo e Andaraí, foi feito daquela argila primordial, que se aglutinou em diversos formatos: cães soltos, moscas e morros, uma estação de trem, amendoeiras e barracos e sobrados, botecos e arsenais de guerra, armarinhos e bancas de jogo do bicho e um terreno enorme reservado para o cemitério. Mas tudo ainda estava vazio: faltava gente.
Não demorou. As ruas juntaram tanta poeira que o homem não teve escolha a não ser passar a existir para varrê-las. À tardinha, sentar na varanda das casas e reclamar da pobreza, falar mal dos outros e olhar para as calçadas encardidas de sol, os ônibus da volta do trabalho sujando tudo de novo.
HERINGER, V. O amor dos homens avulsos. São Paulo: Cia. das Letras, 2016.
Traçando a gênese simbólica de sua cidade, o narrador imprime ao texto um sentido estético fundamentado na
A) excentricidade dos bairros cariocas de sua infância.
B) perspectiva caricata da paisagem de traços deteriorados.
C) importância dos fatos relacionados à história dos subúrbios.
D) diversidade dos tipos humanos identificados por seus hábitos.
E) experiência do cotidiano marcado pelas necessidades e urgências.
Solução
O trecho apresenta uma descrição caricatural dos subúrbios cariocas, evidenciando a precariedade e o estado de abandono do bairro, como indicado pelos termos “moscas”, “barracos” e “botecos”. A paisagem é retratada de forma irônica, sugerindo a vulnerabilidade social e a deterioração da região. Expressões como “faltava gente” e “As ruas juntaram tanta poeira que o homem não teve escolha a não ser passar a existir, para varrê-las” reforçam a imagem de um local esquecido e empobrecido, revelando um estilo estigmatizado que expõe a difícil realidade dessas áreas periféricas.
Alternativa B