Cap. XLVIII / Terpsícore
Ao contrário do que ficou dito atrás, Flora não se aborreceu na ilha. Conjeturei mal, emendo-me a tempo. Podia aborrecer-se pelas razões que lá ficam, e ainda outras que poupei ao leitor apressado; mas, em verdade, passou bem a noite. A novidade da festa, a vizinhança do mar, os navios perdidos na sombra, a cidade defronte com os seus lampiões de gás, embaixo e em cima, na praia e nos outeiros, eis ar aspectos novos que a encantaram durante aquelas horas rápidas.
Não lhe faltavam pares, nem conversação, nem alegria alheia e própria. Toda ela compartia da felicidade dos outros. Via, ouvia, sorria, esquecia-se do resto para se meter consigo. Também invejava a princesa imperial, que viria a ser imperatriz um dia, com o absoluto poder de despedir ministros e damas, visitas e requerentes, e ficar só, no mais recôndito do paço, fartando-se de contemplação ou de música. Era assim que Flora definia o ofício de governar. Tais ideias passavam e tornavam. De uma vez alguém lhe disse, como para lhe dar força: “Toda alma livre é imperatriz!”.
ASSIS, M. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1974.
Convidada para o último baile do Império, na Ilha Fiscal, localizada no Rio de Janeiro, Flora devaneia sobre aspectos daquele contexto, no qual o narrador ironiza a
A) promessa de esperança com o futuro regime.
B) alienação da elite em relação ao fim da monarquia.
C) perspectiva da contemplação distanciada da capital.
D) animosidade entre população e membros da nobreza.
E) fantasia de amor e de casamento da mulher burguesa.
Solução
O romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis, ironiza a transição do regime monárquico para o republicano no Brasil, que ocorreu de forma abrupta e sem grandes impactos socioeconômicos. A personagem Flora, da elite brasileira, participa do último baile da monarquia, realizado na Ilha Fiscal em 1889, sem saber que era o fim da era monárquica. Alienada, ela inveja a princesa Isabel, acreditando que ela se tornaria imperatriz, sem perceber a iminente mudança política que afetaria o país.
Alternativa B